
Sei que é redundância. Pleonasmo até. Mas eu odeio, com todas as minhas forças, telemarketing ativo.
Sei perfeitamente bem que é um dos setores que mais cresce no país e que seu índice de contratação de profissionais tem superado de maneira impressionante o de setores com metalurgia e siderurgia, por exemplo.
O problema é o treinamento pífio e a total "falta de senso de noção" da coisa, como um todo. Eu explico:
Digamos que você, legítimo representante da classe média na dura luta pela sobrevivência, tenha um ou dois cartões de crédito (porque essa crença de que cartão de crédito é símbolo de status, é coisa de pobre! Rico que é rico, não usa cartão. Usa dinheiro. Em espécie e na cueca, para não pagar imposto). Pois bem. Quem já teve cartão na vida, sabe que para obter um é preciso informar detalhes que vão desde o signo ascendente à data da última menstruação, passando por dados bancários, endereços, telefones, CPF... O que a gente não sabe (ou não se dá conta), é que os cartões (e as editoras e as companhias de telefonia celular) vendem o cadastro dos clientes para outras instituições, separando-os por perfil ultrassegmentado: só mulheres, classe A/B, 25 a 35 anos, sem filhos, atuando na área de saúde e por aí vai.
Aí, lá está você, tranqüilo e poderoso, guiando seu carro (ou tomando banho, ou dormindo, ou almoçando, ou o que for) e toca o celular. Você, esperto que é, olha o número e não reconhece. Será algum conhecido ligando de um telefone não registrado na sua agenda? Vejamos...
_ Alô?
_ Dona Ana?
_ Pois não.
_ Oi, aqui é a Donatela Souza (siiiim. As atendentes de telemarketing sempre usam pseudônimos inspirados nas últimas novelas globais. Já me ligaram Jades, Marias de Fátima, Giulianas, Sóis...)
_ Quem?
_ Sou da American Express e...
_ Donatela, você vai tentar me vender alguma coisa, não é?
_ Er... bem, na verdade eu queria saber se a senhora se preocupa com a segurança da sua família.
_ Ei, Donatela, vamos economizar o seu tempo e o meu? Não há a menor possibilidade de eu comprar nada, por mais tentadora que seja a sua oferta.
_ Mas e se a senhora receber...
_ Donatela, nem de graça, tá? Tchau.
Tá bom, tá bom, sei que não soa muito educado, mas duvido que algum ser humano normal consiga ser quando recebe oito ou dez ligações dessas POR DIA!
Meu ex-marido, que tem uma paciência de monge tibetano, tinha a capacidade de passar hooooras ao telefone com um atendente de telemarketing, embora soubesse, desde o primeiro "alô" que não iria comprar o seguro, ou o plano de capitalização, ou a faca Ginzo, ou o bote inflável, ou o que quer que fosse. Só de ouvi-lo falando pacificamente, minuto após minuto, eu tinha vontade de arrancar o fone da mão dele e arremessá-lo contra a parede (o fone. Não o ex-marido. Bem, às vezes tinha vontade de arremessar o ex-marido também, mas isso é outra história.).
Outro dia, determinada a agir como o adulto racional e ponderado que às vezes eu acho que devia ser, peguei o telefone, liguei para os meus cartões e para o meu banco e pedi gentilmente que, por favor, removessem meus números dos cadastros de telemarketing ativo.
_ Mas quem cuida disso é outro departamento, senhora.
_ Então, por favor transfira minha ligação para o outro departamento, "Lívia".
_ Um momentinho que eu vou estar verificando.
_ ...
_ É que é um departamento terceirizado, senhora. Não fica no mesmo local...
_ E você não pode me transferir?
_ Infelizmente eu não vou estar podendo, não.
_ A minha ficha está em tela?
_ Sim, senhora.
_ E você não poderia, por gentileza, colocar um xis, um delete ou uma caveirinha ou um ícone de bomba ao lado do meu nome, indicando que eu NÃO DESEJO que os meus telefones sejam divulgados para ações de telemarketing?
_ Infelizmente, não, senhora.
_ Quer dizer que quando eu opto por um cartão de crédito, sou obrigada a aceitar, necessariamente, que os meus dados sejam divulgados para ações de telemarketing ativo?
_ ...
_ Lívia, esta ligação está sendo gravada?
_ Sim, senhora.
_ E não lhe parece justo que os associados do cartão tenham direito A UM MÍNIMO DE PRIVACIDADE, CARAMBA?
_ ...
_ Lívia, você ainda está aí?
_ Sim, senhora. Há mais alguma coisa em que eu possa estar ajudando, senhora?
_ Não. Muito obrigada. Você já ajudou pra burro!
(Quase escuto a criatura suspirando de alívio do outro lado da linha).
_ A Operadora de Cartão agradece a sua chamada. Esteja tendo uma boa tarde.
Desligo o telefone com ódio. Ele toca quase imediatamente.
_ Alô?
_ Por favor, eu queria falar com a Dona Ana...
(Calafrio.)
_ É ela.
_ Dona Ana. Aqui é "Heitor" Pacheco, da Editora Abril e eu tenho...
_ Heitor, você não se enxerga?! Me deixa em paz, meleca!
E bato o telefone, espumando de fúria, pela quinta vez naquele dia. Do outro lado da linha, o Heitor possivelmente meneia a cabeça, consternado.
_ Mulher louca... estressada. Eu, hein?
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