_ Isso é porque eles são treinados, Ana. Olha só. Cada operador tem um monitor com o roteiro de todas as ligações.
_ Roteiro?
_ É. Eles têm um programa com todos os diálogos, todas as dúvidas e todas as respostas para cada caso.
_ E quando alguém diz algo como o que eu disse?
_ Aí, eles respondem “perfeitamente, senhora. Há mais alguma coisa em que eu possa ajudar?”
_ E quando alguém pergunta alguma coisa que não está no roteiro?
_ Eles são orientados a encaminhar a ligação para o setor competente, para transferir para o supervisor ou para responder, “perfeitamente, senhora. Há mais alguma coisa em que eu possa ajudar?” Entendeu?
_ Perfeitamente.
Fui olhar os monitores. Assim que a criatura atende ao telefone e cadastra o interlocutor, já cai em um menu, uma espécie de fluxograma, por onde vai navegando enquanto fala.
_ E o que é essa bolinha vermelha aqui?
_ Ah, é o status do cliente.
_ Como assim?
_ Os clientes são identificados por um código de cor que indica o nível de satisfação (ou insatisfação) de cada um. Se é uma pessoa que não liga nunca ou que ligou há mais de um mês, a bolinha é verde. A cor vai mudando dependendo da quantidade de ligações e da gravidade do problema.
_ E qual é a pior?
_ A preta. Bola preta são os clientes mais problemáticos (eu devo ser bola preta!).
_ É mesmo? Os mais pentelhos?
_ Sim e não. Podem ser os mais problemáticos, ou mais estressados ou os que ligam mais vezes.
_ Como assim?
_ Porque se o cliente ligar até três vezes por causa de um mesmo problema, está dentro da normalidade. Se passar de três, é encrenca.
_ Sei...
_ E tem gente que liga todo dia.
_ Comassim???
_ Ah, temos vários casos. Pessoas carentes, ou estressadas, acho eu, que inventam problemas imaginários só para conversar ou brigar. Aí, a gente agenda a visita técnica e nunca há problema algum. A pessoa só quer atenção.
_ Eu, hein... e que cor de bola têm essas pessoas?
_ Preta!
(Ops! Não sou bola-preta. Definitivamente.)
_ Escuta... e nunca aconteceu de um operador surtar, ter um chilique, começar a berrar com o cliente?
_ Felizmente, não, porque eles são muito bem treinados. Mas não é raro sair gente chorando da mesa.
_ Ah, é?
_ É por isso que eles têm uma pausa de dez minutos a cada cinqüenta minutos trabalhados, que devem, preferencialmente, ser passados na Sala de Descompressão.
_ Sala de Descompressão?
_ É. Vamos lá?
_ Ôôôôôô!
A Sala de Descompressão é um pequeno paraíso. Tem uma copa com geladeira e microondas (apesar do refeitório "oficial" funcionar direto, com sanduíches, sucos e frutas e comida “séria” na hora das refeições principais), um televisor de plasma gigante exibindo a programação da TV a cabo, sofás, pufes, telefones (telefones? Duvido que alguém use!), uma psicóloga, uma terapeuta de shiatsu de plantão (a minha opinião, empresa devia ser obrigada pela CLT a ter uma terapeuta de shiatsu, full time) e o mais divertido, um boneco daqueles de treinar boxe, para socar. Fui me aproximando do boneco.
_ E isso aqui?
_ Ah, esse é o Bob.
_ Bob?
_ É. Às vezes, os operadores precisam extravasar, sabe?
_ Ô, se sei. (Principalmente depois que alguém como eu fala com um deles). Ûia! Ele está até mordido!
_ Pois é. É um trabalho muito estressante, sabe, Ana?
_ Seeeei. Do lado de cá do telefone também é estressante, pode ter certeza.
Saí de lá respeitando um pouco mais os operadores de telemarketing. Só um pouco. Não muito. Ainda fico doida quando eles não reagem.