sexta-feira, 7 de novembro de 2008

O lado de lá do telefone


Aí, eu trabalhava nessa agência que tinha a conta de uma famosa empresa de TV a cabo. Um dia, a título de "imersão", fui convidada para fazer um tour completo pelas suntuosas instalações do cliente, em Alphaville. Respirei fundo, liberei a guia do programa de índio na FUNAI e fui. Depois de uma reunião de quase três horas que poderia ter durado quarenta minutos, fui conduzida para o tour, propriamente dito.

_ Escritórios.
_ Ok!
_ Auditório.
_ Ok!
_ Antenas, retransmissoras, salas de controle, telemarketing, refeitó...
_ Ok, ok, ok, peraí! Telemarketing?
_ É. Aqui é o nosso SAC, o departamento de atendimento ao cliente e de telemarketing ativo, para captação de novos assinantes.
(É hoje!)
_ Ahnnn, sei... será que a gente podia fazer uma paradinha? Eu tenho muita curiosidade sobre esse departamento.
_ Claro. O que você gostaria de saber?
_ Posso, primeiro, só dar uma passeadinha pelas baias?
_ Pode, claro!

Comecei a andar. A primeira coisa que me impressionou foi o barulho ensurdecedor de cerca de cinqüenta pessoas falando ao telefone, todas ao mesmo tempo. Depois, reparei no espaço. As baias deviam ter não mais que 1 x 1 metro. Ou seja, a criatura não pode nem se espreguiçar. Em seguida, examinei as baias. Totalmente assépticas.

_ Escuta... nas outras empresas que eu visito, reparo que as pessoas sempre trazem objetos pessoais... Sempre tem porta-retratos, bichinhos, vasinhos nas mesas... por que aqui não tem nada?
_Ah, porque esse departamento funciona 24 horas, em quatro turnos de seis horas. Assim, quatro pessoas diferentes sentam em cada uma dessas mesas. E elas sentam sempre no mesmo setor (repare que são quatro setores), mas não necessariamente na mesma mesa. Por isso, não dá pra trazer objetos pessoais.
_ Ahnnn, entendi.
_ Mas a gente até prefere assim, sabe? Porque essas coisas distraem.
_ Ah, é?
_ Éééé. Há estudo comprovando que uma pessoa passa cerca de 10 minutos por dia olhando fotos em porta-retratos no ambiente de trabalho e nós queremos que os nossos profissionais estejam inteiramente focados nos telefonemas, sabe?
_ Puxa! Às vezes eu tenho a impressão contrária...
_ Por quê?
_ Porque quando falo com esses serviços, não importa o que diga, o quanto xingue, esbraveje, tenha convulsões, que a resposta é sempre algo como: “perfeitamente, senhora. Há mais alguma coisa em que eu possa ajudar?”


_ Tem, sim. Vai à merda, tá?
_ Perfeitamente, senhora. Há mais alguma coisa em que eu possa ajudar?
_ Ah, tem. E quando voltar de lá, vai pra puta que o pariu!
_ Perfeitamente, senhora. Há mais alguma coisa em que eu possa ajudar?

_ Isso é porque eles são treinados, Ana. Olha só. Cada operador tem um monitor com o roteiro de todas as ligações.
_ Roteiro?
_ É. Eles têm um programa com todos os diálogos, todas as dúvidas e todas as respostas para cada caso.
_ E quando alguém diz algo como o que eu disse?
_ Aí, eles respondem “perfeitamente, senhora. Há mais alguma coisa em que eu possa ajudar?”
_ E quando alguém pergunta alguma coisa que não está no roteiro?
_ Eles são orientados a encaminhar a ligação para o setor competente, para transferir para o supervisor ou para responder, “perfeitamente, senhora. Há mais alguma coisa em que eu possa ajudar?” Entendeu?
_ Perfeitamente.

Fui olhar os monitores. Assim que a criatura atende ao telefone e cadastra o interlocutor, já cai em um menu, uma espécie de fluxograma, por onde vai navegando enquanto fala.

_ E o que é essa bolinha vermelha aqui?
_ Ah, é o status do cliente.
_ Como assim?
_ Os clientes são identificados por um código de cor que indica o nível de satisfação (ou insatisfação) de cada um. Se é uma pessoa que não liga nunca ou que ligou há mais de um mês, a bolinha é verde. A cor vai mudando dependendo da quantidade de ligações e da gravidade do problema.
_ E qual é a pior?
_ A preta. Bola preta são os clientes mais problemáticos (eu devo ser bola preta!).
_ É mesmo? Os mais pentelhos?
_ Sim e não. Podem ser os mais problemáticos, ou mais estressados ou os que ligam mais vezes.
_ Como assim?
_ Porque se o cliente ligar até três vezes por causa de um mesmo problema, está dentro da normalidade. Se passar de três, é encrenca.
_ Sei...
_ E tem gente que liga todo dia.
_ Comassim???
_ Ah, temos vários casos. Pessoas carentes, ou estressadas, acho eu, que inventam problemas imaginários só para conversar ou brigar. Aí, a gente agenda a visita técnica e nunca há problema algum. A pessoa só quer atenção.
_ Eu, hein... e que cor de bola têm essas pessoas?
_ Preta!
(Ops! Não sou bola-preta. Definitivamente.)
_ Escuta... e nunca aconteceu de um operador surtar, ter um chilique, começar a berrar com o cliente?
_ Felizmente, não, porque eles são muito bem treinados. Mas não é raro sair gente chorando da mesa.
_ Ah, é?
_ É por isso que eles têm uma pausa de dez minutos a cada cinqüenta minutos trabalhados, que devem, preferencialmente, ser passados na Sala de Descompressão.
_ Sala de Descompressão?
_ É. Vamos lá?
_ Ôôôôôô!

A Sala de Descompressão é um pequeno paraíso. Tem uma copa com geladeira e microondas (apesar do refeitório "oficial" funcionar direto, com sanduíches, sucos e frutas e comida “séria” na hora das refeições principais), um televisor de plasma gigante exibindo a programação da TV a cabo, sofás, pufes, telefones (telefones? Duvido que alguém use!), uma psicóloga, uma terapeuta de shiatsu de plantão (a minha opinião, empresa devia ser obrigada pela CLT a ter uma terapeuta de shiatsu, full time) e o mais divertido, um boneco daqueles de treinar boxe, para socar. Fui me aproximando do boneco.
_ E isso aqui?
_ Ah, esse é o Bob.
_ Bob?
_ É. Às vezes, os operadores precisam extravasar, sabe?
_ Ô, se sei. (Principalmente depois que alguém como eu fala com um deles). Ûia! Ele está até mordido!
_ Pois é. É um trabalho muito estressante, sabe, Ana?
_ Seeeei. Do lado de cá do telefone também é estressante, pode ter certeza.

Saí de lá respeitando um pouco mais os operadores de telemarketing. Só um pouco. Não muito. Ainda fico doida quando eles não reagem.

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